29 de agosto de 2011

Roma não se fez em um dia



Passei minha segunda semana tentando entender a lógica romana _ tarefa um tanto inglória, confesso. Em minha busca por casa, gastei meus dedos ligando para as imobiliárias, meu tempo procurando apartamento na internet e em jornais e meu vocabulário italiano inteirinho deixando mensagens de voz. O saldo é que aprendi que o tempo romano é outro, quase atemporal, e que sem doses abundantes de paciência não conseguirei manter os cabelos na cabeça.  Apesar das muitas sessões de terapia me preparando para a mudança de marcha que enfrentaria aqui, descobri que vou precisar de muito mais vinho do que antecipei.

Obviamente é cedo para bater o martelo, mas nas minhas duas primeiras semanas, não estou impressionada com a comida e não achei vinho digno de nota, coisas pelas quais os italianos são conhecidos. Por enquanto, vou vivendo da beleza da cidade; essa sim incontestável, e das pequenas descobertas da vida aqui.  O romano esconde a geladeira por trás de armários, fecha a sorveteria na semana mais quente do ano para ir pra praia, constrói cozinhas menores que os banheiros, mora com a mamma até depois dos quarenta, adora fritura, mas considera manteiga uma aberração calórica, fuma compulsivamente, vende sal na tabacaria e fósforos em loja de decoração e se veste invejavelmente bem. Aliás, acho que esse negócio do fósforo ainda é resquício do incêndio provocado por Nero. Com trauma não se brinca.

Junte-se a isso minha dificuldade em encarnar o papel de gente grande. Tomar tantas decisões pequenas que farão o conjunto valer a pena é pesado. Morar um pouco mais longe e ter uma casa maior ou ficar no centro em um apartamento menor? Pegar ônibus pro trabalho ou ir caminhando? Qual telefone ter? Que plano? Empregada ou não empregada? Tudo muito adulto e muito novo. E aqui ainda não tenho meu faro. Nem referência. E nem lógica. Tem só aquela pessoa que está me encarando no espelho com cara de interrogação.

PS. Agora que o vizinho da frente passou a colocar mantra budista e incenso toda tarde para vizinhança, o bebê finalmente parou de chorar. 

22 de agosto de 2011

Conselhos cínicos de uma velha cidadã do mundo*



Querida amiga mulher,
Hesitei muito em escrever essa carta, pois penso que conselho nunca é a maneira menos eficaz de ajudar um necessitado, mas diante das parcas opções, esta lhe servirá por agora. Lembro-lhe que também fui jovem e tive, como você e até mais, amores impossíveis e arrebatadores. Ffalo com juízo de causa.
Antes de sair de seu país para viver com sua cara-metade, considere as seguintes questões: você é adulta e deve se responsabilizar pelas suas decisões. Não adianta culpar o país do outro, a família do outro, a cultura do outro. Se você já é grande o suficiente para decidir morar com o outro, é grande o suficiente para assumir seus erros.
Aprenda a língua antes de ir morar no país e de ter filhos com ele. Nunca se sabe o que vai acontecer. Ele pode morrer em um acidente, ir pra guerra, ser raptado ou simplesmente te espancar diariamente e você vai precisar saber se comunicar se quiser sobreviver.
Creia que todo ser humano, sob certa pressão, é capaz de fazer coisas que normalmente não faria. Aquele homem doce, carinhoso, amoroso pode sim se tornar o monstro que te tranca em casa e rapta seus filhos. Assim como você também, sentindo-se ameaçada, é capaz de muito mais.
Não se pode ter o melhor de dois mundos, então aprenda a conviver com as diferenças e a não ligar a cada briga para o consulado brasileiro. Crie ao seu redor uma rede de proteção e comunicação constante com outras pessoas. Assim, caso necessário, você terá testemunhas e com quem contar.
E por último, simplifique sua vida. Quanto menos maridos, filhos, divórcios, casamentos e nomes você tiver, mais perto da paz almejada você estará, não importa onde ou com quem.

* Baseado em fatos reais e no livro que estou lendo.

18 de agosto de 2011

Sobre todas as coisas



Estou desconfiada que o bebê do vôo mora no vizinho da frente. Devido a quantidade de melatonina que estou tomando para me adaptar ao fuso horário, decidi que nunca mais saio daqui, a não ser para lugares com duas horas a mais ou a menos. Não bastasse a insônia normal, agora durmo na hora que preciso estar acordada e acordo quando deveria estar dormindo.
Descobri a primeira grande maravilha de Roma. Não, não são as gelaterias; são as fontes de água geladinha espalhadas pela cidade. Você anda um pouco, sua que nem chaleira até a próxima fonte, molha o rosto, o cabelo, os pés, o que mais te deixarem e continua sua marcha até o próximo ponto turístico. Eu sei, era pra eu estar procurando escola de italiano, academia, casa… mas até o fim de agosto tenho sorte do mercado da esquina estar aberto (o caixa me perguntou ontem se sou turista. Ele não entende que, como está tudo fechado, só dá pra visitar o mercado mesmo).
E agora que tenho internet, minha grande conquista será um adaptador que funcione nessa tomadas. Aqui em Roma tem tomada para todos os gostos, menos para o dos meus aparelhos. Tem de três furinhos seguidos, dois em cima e um embaixo, um maior e outro menor, um mais achatadinho mas não tem adaptador universal que se adapte ao sistema americano e ao romano ao mesmo tempo. Assim, passo boa parte das tardes me perdendo nas ruas da cidade e descobrindo que realmente todos os caminhos levam a Roma, porque sempre volto ao mesmo lugar. Nasci desprovida de GPS interno, fazer o quê?

17 de agosto de 2011

Capítulo 2: Roma

Chego em Roma ainda com o ouvido zunindo por causa do choro daquele bebê na fileira atrás de mim e com muito sono, mas o motorista já está a minha espera e anda rapidinho que nem formiga guiada pelo cheiro de açúcar no meio da multidão. Lá fora a cidade me saúda com belos 450 graus, na sombra.
Como o motorista não sabe bem onde morarei pelo próximo mês, liga para a corretora para pegar referências, que nos levam até a esquina de uma rua com o nome parecido com o da rua onde veramente viverei. Passamos os dois, carregados de malas, pela corretora, ocupada demais ao telefone para nos notar e, depois de cinco voltas no quarteirão, damos de cara com o beco onde o apartamento está localizado.
A primeira notícia é que o elevador do prédio está quebrado e que não há previsão de conserto, já que é ferragosto e a cidade ainda descansa na praia. A má notícia é que o apartamento fica no quarto andar, obviamente.
Subimos uma escada em espiral, pequena demais até para meu pé 33, e depois de umas quatro paradas para fôlego, entramos no apartamento. Feitos os trâmites de praxe, a inglesa me explica que depois de morar quarenta anos aqui, descobriu que é preciso abraçar a burocracia, ligar o f*-se e aproveitar esse enorme museu a céu aberto. O clima é ameno, a comida de dar inveja, o povo alegre e hospitaleiro. O que mais posso querer?
Acesso à internet e ar condicionado, talvez? Hmmmm. Hoje a tarde sem falta ela trará a chave mágica que abrirá as portas domeu mundo virtual  (que eu não me preocupe). Quanto ao ar, as janelas estão todas abertas, assim tenho ar fresco. :-S
Depois de me apresentar para o serviço, agora já bêbada de sono e cansaço, passo no "super"mercado para alguns itens básicos de sobrevivência que cabem dentro da mochila. Chego no apartamento já meio que por osmose e logicamente a inglesa, que perdeu o conceito de pontualidade britânica há anos, não me conectou ao mundo virtual.
Apesar dos 750 graus, deito e durmo pesadamente. Acordo com os sinos da igreja tocando, viro para o lado e durmo de novo. Agora, às 21h, a noite chegou por completo e com ela os pernilongos. É preciso decidir se morro de calor ou de mordidas. Como diria Scalet O'Hara, "amanhã eu penso nisso".