30 de novembro de 2010

A gente não quer só comida.




Hoje teve novo dotô da cabeça. Dotôra, agora. Já comecei a assustando ao dizer que ela era a terceira em menos de três anos nos istaites. A pobrezinha me abriu um olho que só vendo. Me recebeu em uma sala pequena, arrumadinha até, com quatro poltronas e nenhum divã. Sentamos assim, cara a cara, mas não me senti afrontada nem invadida. Conversou comigo como se fôssemos conhecidas de longa data e não fez as perguntas mais óbvias que eu antecipava.
Olhando para trás, vejo o quanto a terapia me ajudou a ser uma pessoa melhor, principalmente quando eu estava tão envolvida comigo mesma que não conseguia ver um Rudolph na minha frente. No entanto, ainda encontro dificuldade de falar sobre o tema com muitas pessoas. Para minha família, quem vai ao psicólogo está louco. Para certos amigos, depressão é coisa de preguiça de sair, se animar e curtir a vida. Para outros, falta de fé em Deus. E olha que estou falando de gente que me acompanha há vários anos. Gente que pôde ver, palpavelmente, quem era e quem sou. Melhor dizendo, como era e como estou.
Na verdade, do que sinto falta mesmo é de gente que fique ao meu lado, mesmo que calado, quando bate a crise e as neuroses são grandes demais para segurar. Gente que não sinta pena e entenda que, por aquele momento pelo menos, preciso de atenção e respeito. Hoje, na salinha da minha nova dotôra da cabeça, me senti bem porque ela me mostrou que é possível ter esperança e objetivos e que não estou sozinha nessa luta.

24 de novembro de 2010

Recomeçando

Um ano atrás eu estava aqui. Tomando dois antidepressivos e um calmante por dia, com psiquiatra, psicólogo e terapia de grupo. Trezentos e sessenta e cinco dias depois, mudanças feitas, novos hábitos, livros lidos, dever de casa feito, continuo aqui. É tanta coisa para decidir, objetivos para traçar e nenhuma vontade: nem por mim, nem pelos outros. Me foge o chão e me aterroriza a idéia de que estarei exatamente no mesmo lugar daqui a um ano.

21 de novembro de 2010

O Rei a todos faz saber



Credo, não tenho a menor vocação para arauto, mas ando meio farta de tudo isso e minha consciência não me exime de, pelo menos, dar minha opinião.

15 de novembro de 2010

Hypothetically speaking


E se, só por um dia, eu não fosse complicada, seria ainda eu? Se, por uma semana, eu me visse com os olhos dos outros, me entenderia melhor? Se, para variar, falasse o que os outros querem ouvir, passaria mal? Tem dias em que o peso dos "se" me esmaga.

14 de novembro de 2010

Olhai os lírios do campo


Sempre imaginei que se eu fosse uma flor, seria uma orquídea, mas hoje descobri que sou um lírio. Você já parou para observar como os lírios são delicados e, ao mesmo tempo, resistentes? Como o perfume de uma só flor se espalha pelo ambiente, deixando uma marca inconfundível? E se você a balançar mesmo que levemente, fica impregnado de pólen e do cheiro. O lírio abre lentamente. Não, não abre. Se escancara. Mostra cada dobra, cada pinta, seu pistilo molhado, tudo. Não pede desculpa pelo perfume, nem pelas cores firmes. "E, no entanto, nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles."
Mesmo em seu ocaso, o lírio envelhece diferente; vai secando as pontas, trocando de cor e perdendo o viço, mas mantém o perfume. Você já quis algo tanto que te dói? Eu fui assim quando sabia quem era. Melhor, quando tinha orgulho de quem era. Depois fui perdendo o perfume, a cor, o viço. Hoje, sou flor de plástico. E todo mundo sabe que "as flores de plástico não morrem".

5 de novembro de 2010

Todos os caminhos


Vá com tempo à Itália. Sem pressa de sentar no café Conca Doro admirando os doces em formato de ferramentas ou as belezas locais que por lá transitam. Sem hora para parar de comer o banquete que o garçon do Il Latini vai te oferecer como se a mamma dele que tivesse cozinhado. Sem hora para sair da Galeria Uffizi refestelando seus olhos de Boticellis, Caravaggios, Rubens, Michelangelos, Rafaels. Com calma para poder sentar na murada de Montalcino e ver os casais passando, a tarde caindo e as parreiras mudando de cor. Tranquilo para poder parar nas lojinhas de Volterra ou San Giminiano e conversar com os artesãos e vendedores. Sem preguiça para se perder nos jardins do Palazzo Medici Riccardi.
Vá com apetite para a pizza de pedaço de Roma, o espaguete ao molho de cinghiale (javali), o capuccino do Café Eustachio, o vinho na Enoteca Tognoni, o sorvete artesanal da Frigidarium. Passeie tranquilamente pelos becos de Massa Marittima, Bolgueri e Populonia e aproveite para provar o queijo com trufas cortado ali mesmo no balcão.
Prove meticulosamente cada supertuscan, barolo e chianti e descubra as mil facetas da sangiovese. De noite, pare na Cava de Noveschi e deixe o perlage dos champagnes te fazer rir à toa.
Tire um cochilo de tarde, à hora da paggegiata, escutando os sinos de Santa Maria dei Fiori ou as conversas animadas em italiano, essa língua quente. Quando acordar, entre na Officina Profumo di Santa Maria Novella e encontre o seu cheiro. Vá se intoxicando com as luzes na Piazza del Campo ou na Fontana di Trevi e não se esqueça de gastar suas calorias perambulando o Museu Vaticano ou se surpreendendo com as esculturas de Bernini.
Deixe de lado o preconceito, o relógio e os planos e vá absorvendo a Itália em goles fartos e respirando fundo. Antes mesmo de você perceber já se sentirá pertencendo àquele lugar e fará parte daquela história.